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sexta-feira, dezembro 31, 2004

Que dois mil e quatro fique bem arrumado junto com todos os outros, pois um ano não é coisa palpável e para mais passado é já uma lombada no arquivo. Não me vou abalançar em balanços e premiar alguém ou alguma abstracção não faz o meu género, para mais não havendo meritórios premiáveis. Desejar coisa imponente para o ano que vem é despropositado e taralhouco, pois o destino de braço dado com o acaso é que mandam nesta merda toda, restando a nós comuns mortais a tarefa de pequenos enredos, tais como os destinos de nações e manadas ou apenas o nosso singelo e pessoal trajecto. Ser feliz continua a ser malabarismo da alma e como tal exija-se equilíbrio nessa tarefa, conjunta ou egocêntrica. O tempo continua a ser um grandessíssimo sacana a besuntar-nos gradualmente de reumático e assim sendo um ano a mais representa sempre acréscimo de gastos em pomadas adequadas. Em termos gerais e do fundo do coração que o ano que vem, para além do circo político que se adivinha, seja um bom ano vinícola. E já está!

domingo, dezembro 26, 2004

E aqui vai uma inevitável prenda:

Poética
de Manuel Bandeira

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

sábado, dezembro 25, 2004

HO HO HO
Numa festa atribulada de natal, ocorrida ontem à noite, fiquei sem telemóvel. Ora acontece que todos os contactos da minha vida social encontravam-se nessa puta de caixinha mágica. Assim, agradeço a todos os entes e contraentes que me são próximos e indispensáveis que me liguem de hoje a uma semana, para que possa reaver o vosso contacto. Para os mais despassarados o meu número é o 967950063. Bem-hajam.

quarta-feira, dezembro 22, 2004

É a hibernação anual de dez dias na capital. Depois do degelo do balanço da alma, voltarei à lareira das palavras, quem sabe renovadamente...

terça-feira, dezembro 14, 2004

Esclarecimento

Saibam de uma vez por todas
Que o coração existe imensamente
Passível de síncope ou de paixão,
Que saibam para sempre
A sua influência no amor ou na morte
E que a tristeza quando surge desprevenidamente
É lá que se aloja...

Saibam de uma vez por todas
Que a alma vive intrinsecamente
Insinuando-se nos gestos e nas emoções
Que o resto é apenas biologia ou pouco mais
E que a alma tem corpo e sexo e tudo
E por isso sofre, rejubila e sangra.

Saibam de uma vez por todas
Que o espírito também bebe whisky
Esquivando-se do corpo sempre que pode
E que as ressacas são apenas a confirmação
Da inutilidade dolorosa do corpo.

Saibam enfim e definitivamente
Que o amor é simplesmente tudo
E por vezes tudo ainda é pouco
E o mais que isso é provavelmente
Do domínio dos deuses
E como tal não nos diz respeito.

domingo, dezembro 12, 2004

Vem o post abaixo muito a propósito duma radiografia antecipada do estado do nosso país de hoje. Visionários os seus autores? Também. Porque, escrito há 133 anos atrás, não deixa de ser actualíssimo e incisivo. Quanto ao outro post anterior, dos mesmos Ramalho e Eça, não deixa de ser genérico e intemporal. Mas o mais triste revela-se no facto de, desde então até agora, pouco ou nada se ter alterado de fundo na pasmaceira e misérias sempre ciclicamente vigentes neste jardim à beira-mar plantado. Valha-nos o beneplácito da mãe natureza nesse domínio.

In "As Farpas" - Maio de 1871 - Ramalho Ortigão/Eça de Queirós

Aproxima-te um pouco de nós, e vê.
O paiz perdeu a intelligencia e a consciencia moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciencias em debandada, os caracteres corrompidos. A pratica da vida tem por única direcção a conveniencia. Não ha principio que não seja desmentido. Não ha instituição que não seja escarnecida. Ninguem se respeita. Não ha nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguem crê na honestidade dos homens publicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inercia. O povo está na miseria. Os serviços publicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas idéas augmenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Toda a vida espiritual, intellectual, parada. O tedio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruina economica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno commercio definha. A industria enfraquece. A sorte dos operarios é lamentavel. O salario diminue. A renda tambem diminue. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.


sábado, dezembro 11, 2004

Publicou-se, há tempo, na imprensa da Universidade em Coimbra, um folheto ácerca da Communa.
Bom, ou mau, o folheto foi lido, levemente discutido e inteiramente comprado. Era anonymo.
Que ha de acontecer? O governo prohibe-lhe a venda! Só aqui ha um mundo revolto de risadas. O livro é publicado em Maio, exgotado em Junho, e prohibido em Julho! A unica critica é a gargalhada.
Porque enfim, nós bem o sabemos: a gargalhada nem é um raciocinio, nem uma idea, nem um sentimento, nem uma critica: nem é o desdem, nem é a indignação; nem julga, nem repele, nem pensa; não cria nada destroe tudo, não responde por coisa alguma! E no entanto é o unico inventario do mundo politico em Portugal. Um governo decreta? Gargalhada. Falla? Gargalhada. Reprime? Gargalhada. Cae? Gargalhada. E sempre a politica, aqui, ou pensando, ou creando, ou liberal ou oppresiva, terá em redor d’ella, diante d’ella, sobre ella, envolvendo-a, como a palpitação d’azas de uma ave monstruosa, sempre, perpetuamente, vibrante, cruel, implacavel – a gargalhada!


In "As Farpas" - Julho de 1871 -Ramalho Ortigão/ Eça de Queirós

quarta-feira, dezembro 08, 2004

Segue abaixo um esclarecimento fotograficamente documentado para toda a malta lisboeta que me pergunta "o que é que andas a fazer no algarve?"

este é o caminho que percorro pela manhã quando vou trabalhar Posted by Hello

aqui acabo o dia Posted by Hello

a minha cantina de verão Posted by Hello

a minha cantina de inverno Posted by Hello

onde me banho de verão Posted by Hello

onde me banho de inverno Posted by Hello

o que eu vejo da janela do escritório Posted by Hello

terça-feira, dezembro 07, 2004

PESSOAL E INTRANSMISSÍVEL

Eu nunca vassalo e peão jamais
Muito menos rei movido
pela mão do destino do mundo
Peça deambulando fora do tabuleiro
mas apaixonado por todas as rainhas
Que o jogo é-me alheio e faz-me coacção

A ser cavalo dispenso o cavaleiro
A ser bispo dispenso a sotaina e a liturgia
A ser torre que seja babilónica

Pactuar com nada
para sonhar com tudo
Que as regras pouco me interessam
quando a consciência não mas dita

Bobo sem corte
Trovador sem plateia
Samurai sem sabre
Nobre sem castelo
Navegador sem destino
Missionário sem doutrina
Espírito sem pátria
Corpo sem intenção
Alma sem dor e
Anjo sem céu


dedicado ao Miguel Barreto
que sabe como eu
que a liberdade é uma tarefa árdua




domingo, dezembro 05, 2004

PERSISTÊNCIA

Eu canto o sexo em convulsão das jovens ninfomaníacas
Eu canto o canto dos amantes que não sabem o que fazem
e têm neles o único e sincero carisma da carne
Eu canto a vida sem retorno
e a luz que inspira as madrugadas hesitantes
Eu canto, sem saber o mote e o tom,
as canções de embalar anjos e putas
Eu canto as sinfonias de fé e esperança
dedicadas ao acaso ou aos Deuses já mortos
Eu canto todos os mundos que estão por nascer
e as Babilónias que caíram em segredo
Eu canto o Universo refazendo-se em cada instante
e o pó que fomos e seremos e o vento que o espalhará
Eu canto os gritos de todos os partos de todos os tempos
Eu canto as lutas dos antigos por causas ainda actuais
Eu canto todas as lutas dos dias futuros
Eu canto a sabedoria primitiva
Eu canto a coragem actual
Eu canto as existências de todos os cristos anónimos
e as redenções impossíveis em que se empenham
Eu canto a agonia de todos os homens
quando reconhecem a sua vida como silhueta fugaz e efémera
Eu canto tudo o que está por dizer
Eu canto o gozo e o sofrimento
porque nos devolvem a nossa real dimensão
Eu canto as bebedeiras de seres e fantasmas
nas vigílias nocturnas onde desatentos
vemos a morte passar e a vida fugir
Eu por vezes canto...
Canto...
Canto...

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