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segunda-feira, janeiro 31, 2005

Como aniversário, mesmo de um blog, deixou muito a desejar. Vejam bem que tive de trabalhar normalmente, não me foi concedido feriado, não houve banda da PSP, não houve desfile de stripers, não me deram fogo de artifício, não se montou bancada VIP e os discursos ficaram-se pelos meus monólogos de hora de almoço. Patrocínios népia e apoios idem. E pronto, eis o primeiro ano completado neste linguarejar virtual. O ofício de blogador é simultaneamente uma aventura e uma sina. Depois de abraçado torna-se viciante e irreversivelmente uma avalanche de ideias. Foi minha intenção desde o início debruçar-me sobre o mundo. Ao debruçar-me acabei por cair simplesmente em mim. Mas mantenho o olhar atento. E entre o estar à janela e o habitar-me têm ido as linhas deste sítio. Reconheço que muito mais que o gozo de escrever é o prazer da minha função de leitor que me tem feito ficar pregado à blogosfera. Todos os links ao lado, sendo tão distintos uns dos outros, têm sido uma lufada vitamínica mental para a minha existência, sendo o humor do cota uma oração diária. A toda a santa e peregrina gente que aqui tem vindo, um obrigado, um abraço e outras efusões do espírito. Espero que o que tenham encontrado seja de algum modo um oxigénio para o respirar da alma. Um carinhoso obrigado à Ly – a minha leitora predilecta, que desconheço pessoalmente, mas que tem tido uma cumplicidade que me enternece, sendo portadora duma simplicidade e duma sensibilidade únicas. Um abraço ao Luís Simões – a alma irrequieta do mondego, que também não conheço pessoalmente, pela sua louvável e metódica irreverência. E para terminar: -Sílvia janta comigo ou tomo uma overdose de vinho tinto!

domingo, janeiro 30, 2005

Instante anfíbio

Pouca terra
Tanto mar

À borda d’água
Há uma sensação em forma de barbatana
Que me inquieta
Mas não me lembro como a usar

Esta teia de memórias.
Já fui peixe...

A água invade o meu ser
E uma vaga lava
E leva as palavras

O poema repousa no fundo do oceano

sábado, janeiro 29, 2005

Corria o ano da graça do Senhor de 1986, numa tarde quente demais no fim de Maio e sob o efeito de alguns gin-tónicos, saíu-me isto que segue abaixo. Os mais novos, que não dominem ou não consigam captar os significados das referências da época, só têm de se cultivar um pouco mais. Porquê publicá-lo agora? Porque me apetece.

DEDICATÓRIA


Às manhãs sangrentas
Onde homens mataram
Ainda mais homens

Às minhas células em desacordo

Ao caos organizado das multidões,
Grupos políticos, desportivos, rácicos
Religiosos e rebanhosos

A um Deus de fato e gravata
Controlando tudo software

A um homem perdido na multidão,
Assim também igual
Saloio mercenário cor-de-rosado
Com sonhos baratos de prestações
No bolso roto da sua única farda

A uma mulher pensando tricot
Sonhando pecado mas
Renunciando por amor à Virgem
Deliciando-se em azul-bébé telenovela
Com os mais altos valores puericultores

Aos rapazes vigorosos e palmadas
Tropa na ideia, 125 cc, surf e pirafos
Tom coca-cola
Sorrisos blue-jean

Às rapariguinhas dos fins-de-semana
Sempre bem estacionadas na sua pose
Seios espetados, dedinho na boca
Conversa pestanejante, disponibilidade imediata
Tom discoteca, sorrisos ice-cream

À vida em geral e à nossa vida em particular
Por ser tão recheada de passeios de domingo na cidade
E tão evidente de nove horas de segunda-feira
Por ser tão rica e abundante em horas de ponta,
Cafeína, stresszinho, pastel de nata, neurose, nicotina, metropolitano
E outras formas encantadoras de passar o tempo

À nossa sociedade pela sua forma peculiar
De ter que ser assim
E à sua suave maneira de pôr os mauzinhos na ordem
E os descarrilados na linha

À invenção sublime do consumo

Aos espaços paradisíacos dos centros comerciais
E afrodisíacos dos supermercados

Á grande orgia dos pensamentos eróticos
Circulantes na baixa lisboeta,
Estilo rubor ou desgarrada
Próximos mas desencontrados
Iguais mas herméticos

Ao espaço sereno e purificador da cidade

Ao marquês de Pombal e às suas estúpidas manias
De grandeza e quadradinhos, que ainda hoje aturamos
Ao Abecassis e ás suas manias gerais, urbanas ou “defecais”

Aos nossos políticos por serem tão ternos e galãs
Aos nossos militares por serem tão bravos e galões

À nossa arte de ser CEE
À nossa educação Bud Spencer
À nossa saudade “made in portugal”
Divulgada em colóquios parisienses, com arraial
Marco Paulo e Linda de Suza

À nossa cultura estimulante regada com tinto e RTP
E à predominância colorida do verde e vermelho nacionais
Na grande questão essencial dum benfica-sporting, ou vice-versa

Aos grandes poemas épicos da pancadaria nas bancadas
À alegria das grandes sinfonias de todos os domingos à tarde:
Opus três – andamento zero
À apoteose da ópera dos locutores desportivos
A todas as orelhas de Van-Gogh transistorizadas
E ao suplício delirante do estalar do golo

À nossa grande alma de cozido à portuguesa
Com mão de vaca, chouriço de boi e pézinhos de futebolista

À nossa salutar maneira de nos conformarmos sempre
À nossa ciência de Fátima
À Nossa Senhora nuclear
À nossa filosofia da crença milagrosamente renovada

À santa paciência de ter o salário em atraso
E à digna atitude clerical-sindicalista de apaziguar
Os espíritos exaltados e possessos pela sempre fraca ideia da carne

À nossa lusitana economia, batata, bacalhau, azeite e dívidas q.b.

Aos americanos por gostarem tanto de nós
E por nos beneficiarem a todos com os Apolos no ar
Ao sorriso Reagan por nos inspirar sensação hot-dog
E vontade dólar

Aos russos e Comecon pela incomparável robustez
Dos seus tanques, vodka, Migs e mais outros bens de consumo
De carácter social e popular

À guerra fria porque é Verão.
À coexistência pacífica e aos seus tempos livres
Que incentivam o gosto pelo desporto nos militares inactivos,
Criando nos jovens um espírito de confraternização
Do tipo jogos sem fronteiras
Imitando ping-pong com metralhadoras e granadas
Dum lado para o outro do muro de Berlim

Ao espírito superior da civilização Grundig
Da mentalidade Siemens, da raça Volksvagem
À graciosidade das suas linhas de montagem
E à sua proliferação pelo mundo fora
Ao inconfundível prazer de encontrar os seus representantes
No seu divino lazer
Nas praias alentejanas
Nas tascas do Bombarral
E nos urinóis do Rossio

Aos ingleses pelo exemplar tarião aos argentinos
“Malvinamente” executado
Muito também pela pontualidade do seu chá
E pelos casamentos, sempre bonitos, da família real

Aos argentinos por serem os campeões do mundo de futebol
E isso entre nós pesa muito

Aos mitos mais diversos deste século de espanto
Pela sua barbituricação colectiva

Aos ídolos e suas façanhas imprescindíveis
Ao Kassius Klay pela sua linguagem universal
Ao Salazar pela sua linguagem
À Brigitte Bardot pela sua... qualquer coisa

Aos ditadores, educadores, professores e dores
Porque são vitais para o bom encaminhamento da humanidade
À humanidade por aprender depressa e passar logo à prática
Todos os ensinamentos dos seus citados amores

A todos os seres
Entes queridos
Irmãozinhos deste planeta
Sim! Que todos merecem...

Ao Tempo
Impassível mestre de nada
Desalinhando tudo o que vive

À eternidade
Meretriz serena de orgasmos pontuais
E a todos os homens que alguma vez a possuíram,
Na cama ou de pé

Ao Universo estupidamente infinito
Inutilmente diversificado
Estilo truque de luna-park para parolos de OVNI

Ao planeta Terra por apesar de tanta rotação não ficar tonto
E à sua beatificada paciência pelo sacrifício de não ter como se coçar
Com tanta pulga na sua pele com lepra cimentadamente naftalizada

À mãe natureza por ter proporcionado tantas fornicadelas
Ao dar sexo aos bichos

Ao sexo por ser isso mesmo
Apesar de ser a negação do livre arbítrio
Sendo uma obrigação irreversível desde a nascença
Para quem assim o deseja, é claro!

Aos oceanos e mares
Aos bosques e florestas
Às montanhas e rios e desertos
E todas as outras formas de cenário;
Ao ar, ao fogo, ao céu
Por serem tudo o que simplesmente são
E não reivindicarem nada por isso

E, já agora, a mim próprio
Por ter tido um rasgo de compreensão
Tão estapafúrdio como este,
À minha queridinha existência que me permite
Estas coisas tão profundas e eruditas
E ao meu egozinho, modesto mas babadinho...



quarta-feira, janeiro 26, 2005

Van Der Graaf Generator
Pawn Hearts

MAN-ERG

The killer lives inside me; yes, I can feel him move.
Sometimes he's lightly sleeping in the quiet of his room;
but then his eyes will rise and stare through mine,
he'll speak my words and slice my mind inside.
Yes, the killer lives.

The angels live inside me, I can feel them smile;
their presence strokes and soothes the tempest in my mind
and their love can heal the wounds that I have wrought.
They watch me as I go to fall;
well, I know I shall be caught
while the angels live.

How can I be free?
How can I get help?
Am I really me?
Am I someone else?

But stalking in my cloisters hang the acolytes of gloom
and Death's Head throws his cloak into the corner of my room
and I am doomed.
But laughing in my courtyard play the pranksters of my youth
and solemn, waiting Old Man in the gables of the roof:
he tells me truth.

And I, too, live inside me and very often don't know who I am;
I know I'm not a hero;well, I hope that I'm not damned.
I'm just a man, and killers, angels, all are these,
dictators, saviours, refugees in war and peace
as long as Man lives...

I'm just a man, and killers, angels, all are these:
dictators, saviours, refugees.

Obrigado, antecipadamente, ao Luís Simões - a alma irrequieta no mondego , mas o aniversário deste blog, a ser cumprido a rigor, é só no dia 31. Estou a pensar angariar apoios de todas as instituições possíveis, de modo a comemorar a data com pompa e circunstância. Bancada VIP, discursos de eminentes figuras, parada militar, desfile de stripers, banda filarmónica da PSP, escolas de samba e fogo de artifício q.b.
Fica então assim combinado: ninguém aparece.

terça-feira, janeiro 25, 2005

Decidi em 2004 recomeçar a editar a 2ª série do pasquim, primeiro porque o Mário Bacelar se propôs a colaborar, e segundo porque a pasmaceira vigente e o tédio que me invadiu a alma assim mo ditaram. Como sempre o acaso também não foi alheio. Tendo, no entanto, pesado nessa decisão o malfadado pendor comercial – a malta em posse de umas massas extra, floresce mais sorrisos. Mas acresce salientar que o essencial elemento azucrinador, e que determinou este impulso editorial, foi o facto aterrador de a mediocridade, dos “bem assentados na vidinha possível,” querer na sua insossa existência arrastar consigo todas as almas disponíveis para conviverem e chafurdarem no seu social saloio, provinciano e mesquinho, não dando espaço de manobra a novas expressões e muito menos a voos – “o que é essa merda de haver gente nas alturas?”, e abatendo, nesse processo, as aves ou anjos ou loucos ou demónios ou egonautas que a tal se proponham ou exponham. Publiquei então o seguinte editorial, que não perde em nada a sua actualidade. Resistimos. Em nome da sanidade, está bem de se ver.


EDITORIAL tal e qual


Não vamos estar com mais tretas e rodeios de permeio. Saímos novamente para a rua, e para as mãos dos adorados leitores (adorados porque raríssimos são os leitores portugueses), devido ao acaso de tal nos ter dado na telha. Estivemos, neste período de ausência, que tanta angústia causou aos mais fieis seguidores, em processo de incubação criativa e com grandes propósitos de crescimento mental. Para todos os ignorantes nestas matérias e também para os mais lerdos, ocorre-nos tecer alguns pormenores preambulares e deveras esclarecedores. O plural utilizado e com que se subscrevem a maioria dos textos, é quando muito simplesmente majestático, ou representativo das empatias dos leitores - sim que em matéria de resistência à estupidez vamos sendo um plural, embora minoritário. No passado, muita gente houve a pensar que esta saga era produzida por muitos: desenganem-se. Era somente eu e a minha alma (tirando as colaborações pontuais e identificadas), com alguns autísticos pseudónimos à mistura. Abençoada múltipla pancada que tantas alegrias me tem proporcionado. Se o leitor comungar da mesma, tanto melhor. Num país onde a iliteracia, o analfabetismo e o atraso mental pontificam é de uma excelsa coerência ser teimoso e estoicamente resistir na contracorrente. Não temos qualquer veleidade cultural e mau grado o péssimo uso e abuso que a palavra “cultura” tem tido, até ficamos mais tranquilos e de consciência imaculada por fazermos assim parte de uma salutar e impoluta contracultura. Resta-nos o gozo do uso vernáculo da língua de Camões para espirrar bojardas politicamente correctas, vituperar impropérios à manada e vociferar despautérios ao poder em geral. Num universo mental lusitano a pautar pelo pós-moderno pimba, restou-nos a polidez, o bom senso e a finura de ficarmos pela solidão. Louvável a masturbação dos abencerragens face à orgia degradante vigente. Com o devido espavento avançaremos na nobre tarefa de higienizar mentes e atitudes. A famigerada incontinência mental, expressão que um nosso antigo colaborador se lembrou de surripiar para pespegá-la no seu “site” (se fosses como o débil de um só neurónio do Rocha, estavas fornicado Nilton)* , foi sempre lema poderoso e teve sempre o intuito da purificação. O SULturas terá a sua mais valiosa prestação sendo o vade-mécum da sã loucura e da lisura de comportamento que a mesma acarreta. Espavorir o senso comum enlatado e a estupidez gratuita a rodos que nos rodeia, são objectivos adjacentes, e os incómodos causados nos visados, serão exorcismos com função correctiva que tanta falta fazem no quotidiano de horror a que nos obrigam e condenam com a coerciva presença e malabarismos grotescos de tantos boçais. Ocorre-nos ainda utilizar, de modo totalitário e sofisticado, um humor cáustico que possa corroer todas as formas de mau gosto. As obscenidades, quando surgirem, terão de ser encaradas como adornos imprescindíveis ao serviço de uma estética desopilante. As bojardas, por seu lado, serão devidamente dirigidas e obviamente merecidas, e terão de ser entendidas como arma de arremesso, sendo que, pelo facto de não serem gratuitas, não perderão a incandescência. Resta ficarmos enternecidos pela vossa preferência e, a vós, resta pasmarem-se se fazem o favor.

* Os putativos produtores fictícios de gargalhadas fáceis para as massas ou mentecaptos ordenhadores de humor rançoso para as hostes (fora as honrosas excepções), desconhecendo o poder das anfetaminas e a alegria de ideias genuínas, ou incapacitados de chama própria, funcionam como plagiadores e abutres (com o intuito da mera facturação) de ideias alheias, as quais perdendo o contexto de quem as criou e a luminosidade da sua projecção, redundam em fancarias, baixarias e ninharias. Socialmente o resultado está à vista: continuamos um povo de incultos e complexados, embora já estejamos de pé e a rir. Ámen.

domingo, janeiro 23, 2005

O SULturas Nº3 série 2 – pasquim regional de incontinência mental de periodicidade imprevista, sairá para as ruas e avenidas e vielas e becos e demais antros, já no próximo mês. Carnaval é quando um homem quiser e em Portugal é todos os dias, tal como afirma o Anarca Constipado. Considerando que a saga de angariação de fundos e patrocínios tem sido uma dor de cabeça insuportável, deixo em jeito de registo histórico um edital de 2001. Muito agradecido pela vossa atenção.

EDITAL

Fica desde já implícito que todas as casas – comerciais e nocturnas, que não publicitam neste pasquim, são passíveis de ser uma treta medonha, o que, a ser uma verdade de facto, somente as incrimina ainda mais. E que fique também desde já explícito que não precisamos do dinheiro de implícitos merdosos para fazermos a deveras explícita edição.
Fica obviamente implícita a pujante intenção desestabilizadora, correctora e edificante desta publicação, face à inexistência de filosofia consistente ou de princípios morais e estéticos adequados, por parte dos visados e atingidos, os quais, implicitamente, não tendo carácter definido, personalidade óbvia ou alma delineada, deveriam ser banidos da actividade comercial e exilados para o Burundi.
Fica também por demais implícito que os alegados grunhos, de áreas tão diversas mas intrincadas como a política, a religião, a psiquiatria, a tecnologia, a moda, os meios de comunicação, os cães de serviço ou simplesmente o circo social sob todas as suas formas, citados ou não, estão obviamente implícitos nas explícitas críticas, pelo asco que nos provocam e patentes nas arrancadas de sarcasmo e ironia adjacentes na nossa mui explícita publicação.
Fica ainda implícita a nossa imensa vontade de importunar com método o reduzido juízo de todos os seres quadrados e obtusos, omissos neste edital mas implícitos no nosso quotidiano, os quais têm dificultado implicitamente a nossa explícita existência. Fica finalmente explícita a existência do silêncio como forma implícita de dizer tudo o que não ficou escrito, mas que implicitamente pensamos e sentimos, e que, em última análise, é a forma explícita da nossa implícita existência assente na resistência a todas as implícitas merdas das quais o explícito mundo é composto.

A direcção




sexta-feira, janeiro 21, 2005

Post Scriptum

Está muito certo que o mundo prossiga a sua inexorável marcha, de resto nunca sabendo bem qual o caminho e muito menos o fim, mas dispenso a sua tirania nessa demanda e a sua invasão ao meu singelo universo e aos compartimentos da minha alma. A solidão existe então para nos possibilitar a redenção desse mundo. Sempre novos são os sons e as imagens e as palavras e os sentidos e os significados e os signos e todos os demais sinais, por vezes talvez os sonhos, porque do sangue e da seiva em seu movimento é que se faz toda a vida. Nada se repete nunca mais e jamais o mesmo será sinónimo de outra coisa que é o que sempre acontece.
E está muito mais certo que aquela imensa rocha suspensa na serra de Sintra nos desconheça de todo e ignore todos os enredos. Já cá estava muito antes e por cá ficará muito depois. Posto isto acho bem que mantenhas luminosa a memória desse dia em que com uma simples erecção te mostrei o sentido da vida. Duvidavas então. Espero que acredites agora. O tempo afinal apenas acrescenta tempo.
Mas é porém muito certo que o amor também se gasta e quase nunca de forma concomitante podendo-se portanto sofrer com isso, mas a coisa passa sempre e amanhã é também sempre o melhor dia quando hoje não se soube ser.
Estará ainda mais certo, quando for a altura, que a morte seja a mais subtil sensação ou intensa emoção, não corolário ou supremo mistério, apenas crepúsculo breve para a noite do nada.

terça-feira, janeiro 18, 2005



Sentenças delirantes dum poeta para si próprio em tempo de cabeças pensantes

Alexandre O'Neill

in "A Saca de Orelhas"



1

Não te ataques com os atacadores dos outros.

Deixa a cada sapato a sua marcha e a sua direcção.

0 mesmo deves fazer com os açaimos.

E com os botões.



2

Não te candidates, nem te demitas. Assiste.

Mas não penses que vais rir impunemente a sessão inteira.

Em todo o caso fica o mais perto possível da coxia.



(...)



4

Não te arrimes tanto à ideia de que haverá sempre

um caixote com serradura à tua espera.

Pode haver. Se houver, melhor...



Esta deve ser a tua filosofia.


(...)



6

Perguntas-me o que deves fazer com a pedra que

te puseram em cima da cabeça?

Não penses no que fazer com. Cuida no que fazer da.



É provável que te sintas logo muito melhor.



Sai, então, de baixo da pedra.



7

Onde houver obras públicas não deponhas a tua obra.

Poderias atrapalhar os trabalhos.

Os de pedra sobre pedra, entenda-se.



Mas dá sempre um "Bom dia!" ao pessoal do estaleiro.

Uma palavra é, às vezes, a melhor argamassa.



8

Deves praticar os jogos de palavras, mas sempre

com a modéstia do cientista que enxertou em si mesmo

a perna da rã, e que enquanto não coaxa, coxeia.

Oxalá o consigas!



(...)



11

Resume todas estas sentenças delirantes numa única

sentença:

Um escritor deve poder mostrar sempre a língua portuguesa

segunda-feira, janeiro 17, 2005

E novamente para o repositório do pasquim...

O REINO DAS VACAS

Era um país sereno, pequeno e tinha um clima ameno. O mesmo se podia dizer das pessoas, dos animais domésticos, das culturas e dos sonhos em geral. O PIB era anafado, crescente e tinha um futuro promissor. Era portanto um país que consumia mais iogurtes que whisky. Não haviam profissões complicadas, nem projecções económicas futuristas. Não senhor, que isso não garantia serenidade nem proporcionava vacas mais gordas. Regra geral todos os habitantes eram comerciantes, os outros tinham vacas, ou sejam os produtores de tudo o que depois de esguichado das tetas era comercializado pela maioria. Andaram todos contentes durante séculos, incluindo as vacas. De tanta alegria nada podia advir de mal. A abundância permitia exportações fabulosas. Com o andar dos tempos vieram estrangeiros aliciados por tanta gordura animal. Vinham com ideias de estábulos enormes e automáticos, traziam consigo sacos de dinheiro e outras bugigangas das quais constavam caixas de brandy, rum, e uns quantos líquidos alucinantes. Depois de algumas semanas de convívio e intercâmbios tudo começou a ficar diferente. Houveram bebedeiras, homicídios, violações e grandes negócios. Criou-se o primeiro banco, uma bolsa de valores e também algumas cadeias que rapidamente começaram a ter uma clientela assídua.

Passaram mais uns anos, enquanto chegavam cada vez mais estrangeiros. Tudo se tinha transformado. Haviam agora todas as actividades possíveis e ainda alguns projectos espalhafatosos. O PIB baixou e as vacas ficaram tristes. Falou-se em stress bovino. Os homens bebiam e as mulheres tinham micro-ondas. Alguns jovens começaram a emigrar. O país contudo registava um acréscimo de entradas de psiquiatras de países vizinhos. O regente contraiu uma agorafobia devido ao uso excessivo da máquina de barbear. Legisladores vindos não se sabe muito bem donde, opinaram que se fizessem eleições, no entanto os psiquiatras revelaram inaptidão mental de 80% da população. Optou-se então pela importação imediata de um novo regente. Nesta altura já o país se encontrava completamente embevecido por tudo o que vinha do estrangeiro. A publicidade reinava, os seres mais afortunados faziam psico-terapia nos supermercados e centros comerciais. A juventude empenhava-se em digerir quantidades enormes de fitas magnético-delirantes, as quais depois de um efeito fulgurante de uma hora frenética, davam ressacas e diarreias da mesma grandeza que o efeito inicial. Apesar disto tudo, andavam todos calmos e pacíficos e diziam apenas e repetidamente: Yeah! Completamente indolentes.

Todo este processo durou uma escassa década. Depois, um dia veio, em que alguém com sotaque forasteiro disse na televisão que a história do país assentava basicamente na criação de bovinos e falou também em tradições e costumes para sempre abandonados. Toda a população se riu. Houve, contudo, uma vaca esclarecida que ouviu atentamente o programa. Passada uma semana, todas as vacas tinham saído para as ruas numa autêntica largada em passo acelerado. Parece que queriam endireitar as coisas. E foi uma hecatombe. Cornadas valentes, bostas consistentes, gente estropiada, lojas devassadas, enfim, um caos lindo de se ver. Deus que sempre estivera atento, ria-se muito e decidiu ajudar, pois estava muito descontente com a transformação das catedrais em imensos armazéns. Assim, fez cair uma chuvada densa de electrodomésticos de todos os tipos. O que mais impressionava, segundo alguns sobreviventes, era o efeito esmagador das arcas frigoríficas e máquinas de lavar. O estrondo era imenso conseguindo até abafar a gritaria do pânico geral. Curioso foi o facto de nenhuma vaca ter sido atingida. Agora o país está lá, debaixo de todos os escombros. Ainda devem existir bons pastos, no entanto as vacas decidiram emigrar, pois essa história do progresso causa muita confusão e lixo. Creio que todo o território se encontra à venda pela melhor oferta. Ouvi também falar num sucateiro importante interessado em remover a amálgama de sucata e propor a industriais e construtores a criação de um Estado piloto para desenvolvimento de novas tecnologias. As vacas no estrangeiro pensam que há gente que nunca aprende, até porque Deus afinal continua atento e já se muniu de aparelhagem ainda mais pesada que a utilizada anteriormente.

sábado, janeiro 15, 2005

Chama-se poesia tudo aquilo
Que fecha a porta aos imbecis


Aldo Pellegrini


A poesia tem uma porta hermeticamente fechada para os imbecis, mas aberta de par em par para os inocentes. Não é uma porta fechada com chave ou ferrolho, mas a sua estrutura é tal que, por mais esforço que façam os imbecis, não conseguem abri-la, enquanto cede à simples presença dos inocentes. Não há nada mais oposto à imbecilidade que a inocência. A característica do imbecil é a sua aspiração sistemática a certa ordem de poder. O inocente, ao contrário, nega-se a exercer o poder porque o possui todo.

Obviamente, o povo é o possuidor potencial da suprema aptidão poética: a inocência. E no povo, aqueles que sentem a coerção do poder como uma dor. O inocente, conscientemente, ou não, move-se num mundo no qual o único valor é dado pelo exercício do poder.

Os imbecis buscam o poder em qualquer forma de autoridade: o dinheiro em primeiro lugar e toda a estrutura do Estado, desde o poder dos governantes até ao microscópico, porém corrosivo e sinistro poder dos burocratas, desde o poder da igreja até ao poder das leis. Todo esse acumular de poder está organizado contra a poesia.

Como a poesia significa liberdade, significa afirmação do homem autêntico, do homem que tenta realizar-se indubitavelmente, ela tem certo prestígio perante os imbecis. No mundo falsificado e artificial que constroem, os imbecis precisam de artigos de luxo, cortinados, bibelôs, jóias e algo assim como a poesia. Nessa poesia que eles usam, a palavra e a imagem convertem-se em elementos decorativos e, desse modo, seu poder de incandescência é destruído. Assim é criada a chamada poesia oficial, poesia de lantejoulas, poesia que soa a oco.

A poesia nada mais é do que essa violenta necessidade de afirmar o ser que impulsiona o homem. Opõe-se à vontade de não ser que guia as multidões domesticadas e se opõe à vontade de ser nos outros, que se manifesta em quem exerce o poder.

Os imbecis vivem num mundo artificial e falso: baseados no poder que se pode exercer sobre outrem, negam a rotunda realidade do humano, a qual substituem por esquemas vazios. O mundo do poder é um mundo vazio de sentido, fora da realidade. O poeta busca na palavra não um modo de expressar-se, mas um modo de participar da própria realidade. Recorre à palavra, porém busca nela o seu valor de génese, a magia do momento de criação do verbo, momento em que não era um signo, mas parte da própria realidade. Mediante o verbo, o poeta não expressa a realidade, mas participa dela.

A porta da poesia não tem chave nem ferrolho: defende-se pela sua qualidade de incandescência. Somente os inocentes, que têm o hábito do fogo purificador, que têm dedos ardentes, podem abrir essa porta e por ela penetrar na realidade.

A poesia pretende apenas cumprir a tarefa de que este mundo não seja habitável somente para os imbecis.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

secretária com janela
foto de Luísa Paula

aqui também iniciei poemas e vôos

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Não uma persistência sistemática, mas uma permanência emblemática. Em tempos do esboroar de convicções, saber amontoar as contradições. Nada é mais inútil que a teimosia gratuita, como uma hemorróida no espírito. Nada é mais prejudicial que um dogma emprestado, como uma cárie na mente.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Epitaph

The wall on which the prophets wrote
Is cracking at the seams.
Upon the instruments of death
The sunlight brightly gleams.
When every man is torn apart
With nightmares and with dreams,
Will no one lay the laurel wreath
As silence drowns the screams.
Between the iron gates of fate,
The seeds of time were sown,
And watered by the deeds of those
Who know and who are known;
Knowledge is a deadly friend
When no-one sets the rules.
The fate of all mankind I see
Is in the hands of fools.
Confusion will be my epitaph.
As I crawl a cracked and broken path
If we make it we can all sit back
and laugh.
But I fear tomorrow I'll be crying,
Yes I fear tomorrow I'll be crying.

21st CENTURY SCHIZOID MAN

Cat's foot iron claw
Neuro-surgeons scream for more
At paranoia's poison door
Twenty first century schizoid man.

Blood rack barbed wire
Politician's funeral pyre
Innocents raped with napalm fire
Twenty first century schizoid man.

Death seed blind man's greed
Poets' starving children bleed
Nothing he's got he really needs
Twenty first century schizoid man.


In the court of Crimson King
KING CRIMSON
Lyrics by Peter Sinfield

Ainda e sempre...

domingo, janeiro 09, 2005

O GRANDE JOGO
(ou um fado popularucho e vadio p’rá maralha, também disponível em versão corridinho)

Anda, anda... entra no jogo também
É tão fácil que até vai saber bem
Vamos brincar ao poder
Ou então, apenas sobreviver

Deves entrar neste jogo
Demora só o tempo de uma vida
Começa quando se é novo
Acaba com uma breve despedida

Vais ver quando entrares no jogo
Que quase foi criado para teu prazer
Basta-te aprenderes as regras
Nem precisas de o compreender

Mas vai entrando calmamente
Pois sair é impossível definitivamente
Agora é correr a semana na corda bamba
E talvez ao sábado dançar um samba

Vamos tornar-nos intrépidos e implacáveis
Se a situação endurecer ficamos maleáveis
Vamos conquistar posições e empréstimos
Vamos comprar acções e electrodomésticos

Vamos ser pragmáticos e cultos de enciclopédia
Temos o apoio da CE e a ajuda da linha aberta
Temos a informação a rodos dos media
E um mercado cheio de procura e oferta

Vá lá, só tens de insistir e correr sempre
Insistir com todos e correr p’rós “eléctricos”
Vá lá, temos de ser activos, participativos e competitivos
E à noite podemos ficar um pouco frenéticos

Podes prostituir os teus neurónios
Ou tentar enganar os parvónios
Ser proxeneta do teu ser
Ou ser canalha para enriquecer

Podes ser tudo o que quiseres
Mas desde que te deixem
Podes até ser presidente
Mas desde que em ti votem

Por tudo isto deves entrar neste jogo
De qualquer maneira fazer parte do jogo
Mesmo perdendo não ficarás diferente
Talvez ganhando não fiques demente

Mas entretanto de tanto investirmos
Vai faltando a vontade de nos rirmos
E no entanto de tanto nos armarmos
Vai faltando a sabedoria de amarmos

quarta-feira, janeiro 05, 2005

TRÊS APONTAMENTOS

Transportamos quotidianamente as tarefas que nos levarão, num futuro não muito longínquo, à ausência de tarefas. Estamos, consciente mas irreflectidamente, a criar um paraíso artificial para muito poucos, um purgatório cómodo para uma camada especializada e um inferno para uma esmagadora maioria.
O Caos já se insinua. Há, no entanto, uma nova Ordem em marcha. Conceitos apenas; mas socialmente caminhamos para a desagregação das estruturas. O Poder já não é o que era, e nem ele próprio sonha como será a sua metamorfose. Subitamente o dinheiro tomou conta de tudo. Mas quem irá decidir no futuro sobre o que é o dinheiro e o seu valor? Os nossos sucessores irão assistir, não à famigerada globalização patética e propagandeada, mas isso sim, à morte de Pátrias, à venda de Nações, ao colapso do FMI face aos infindáveis recursos de monstruosas fusões capitalistas, à criação de exércitos Sony, ao nascimento de ministros IBM e juizes Microsoft, regiões EXXON e aglomerados pseudo-civilizacionais em torno de núcleos fabris do tipo Taiwan; enfim assistir-se-á, ao totalitarismo de uma hegemonia empresarial sobre o planeta ou o que dele restar. Intervir no Mundo de hoje pode-se concretizar pela simples utilização de um teclado. Os terroristas do futuro serão hackers de alta precisão. Os revolucionários por seu lado serão criativos por conta própria ao serviço de minorias resistentes. Quanto aos artistas, com “A” grande e simultâneo de Arte e Amor, terão muito mais para desmantelar e desmascarar do que para criar ou inventar. Tal como diria Rimbaud: “Este o caminho, em frente marche!”

Nós por cá, encaixadinhos neste espaço que foi o umbigo do Mundo moderno e ocidental, continuemos pois a ver mais TV, a acreditar que a nossa capacidade de desenrascanço nunca acabará, a ficar empolgados com o futebol e outras maravilhas populares e, acima de tudo, crendo sempre avidamente em milagres avulso e outros bens de consumo, importados de preferência, quais sapos anafados de papo engasgado. E quanto a cultura, além da de nabos, teremos sempre a renovada criação de papagaios lusitanos, romances de cordel rosa e fenómenos mágicos de subsídios ou sacanços reais partindo de projectos abstractos.

Li uma vez numa parede de uma igreja – “Portugal is cursed by God”. Gostei. Não interessa saber o porquê de muitas das coisas e não consta que Deus se tenha formado em Económicas e Financeiras. Não sei sequer se o criador de tal inscrição tem noção do quanto é pesada e fatídica esta constatação. Num país onde o analfabetismo impera e os iliteratos andam de BMW, só será de esperar a muito próxima “Crónica dos estoiros sociais e das falências anunciadas ou O Evangelho segundo a falta de bom senso”. Maldição? Não. Deus ficou com falta de pachorra para tanta taralhouquice num país apenas.

terça-feira, janeiro 04, 2005

LEMA


que
verter
esta
pálida
existência
em
busca
de
uma
foz...

sábado, janeiro 01, 2005

E solenemente daqui p'rá frente passarei todo o tempo possível com a minha obra-filha, meu único anjo endiabrado.

Em 2005 irei ter mais retiros espirituais aqui. No lado espanhol mirando o lado português. Assim como assim se o nosso país afundar já estou salvaguardado.

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