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segunda-feira, fevereiro 28, 2005

POESIA QUE GOSTO DE REVISITAR...

INFLAÇÃO

Cada vez mais temos apenas um ao outro

...

POEMA TEMPERAMENTAL

Ó caralho! Ó caralho!
Quem abateu estas aves?
Quem é que sabe? quem é
que inventou a pasmaceira?
Que puta de bebedeira
é esta que em nós se vem
já desde o ventre da mãe
e que tem a nossa idade?
Ó caralho! Ó caralho!
Isto de a gente sorrir
com os dentes cariados
esta coisa de gritar
sem ter nada na goela
faz-nos abrir a janela.
Faz doer a solidão.
Faz das tripas coração.
Ó caralho! Ó caralho!
Porque não vem o diabo
dizer que somos um povo
de heróicos analfabetos?
Na cama fazemos netos
porque os filhos não são nossos
são produtos do acaso
desde o sangue até aos ossos.
Ó caralho! Ó caralho!
Um homem mede-se aos palmos
se não há outra medida
e põe-se o dedo na ferida
se o dedo lá for preciso.
Não temos que ter juízo
o que é urgente é ser louco
quer se seja muito ou pouco.
Ó caralho! Ó caralho!
Porque é que os poemas dizem
o que os poetas não querem?
Porque é que as palavras ferem
como facas aguçadas
cravadas por toda a parte?
Porque é que se diz que a arte
é para certas camadas?
Ó caralho! Ó caralho!
Estes fatos por medida
que vestimos ao domingo
tiram-nos dias de vida
fazem guardar-nos segredos
e tornam-nos tão cruéis
que para comprar anéis
vendemos os próprios dedos.
Ó caralho! Ó caralho!
Falta mudar tanta coisa.
Falta mudar isto tudo!
Ser-se cego surdo e mudo
entre gente sem cabeça
não é desgraça completa.
É como ser-se poeta
sem que a poesia aconteça.
Ó caralho! Ó caralho!
Nunca ninguém diz o nome
do silêncio que nos mata
e andamos mortos de fome
(mesmo os que trazem gravata)
com um nó junto à garganta.
O mal é que a gente canta
quando nos põem a pata.
Ó caralho! Ó caralho!
O melhor era fingir
que não é nada connosco.
O melhor era dizer
que nunca mais há remédio
para a sífilis. Para o tédio.
Para o ócio e a pobreza.
Era melhor. Concerteza.
Ó caralho! Ó caralho!
Tudo são contas antigas.
Tudo são palavras velhas.
Faz-se um telhado sem telhas
para que chova lá dentro
e afogam-se os moribundos
dentro do guarda-vestidos
entre vaias e gemidos.
Ó caralho! Ó caralho!
Há gente que não faz nada
nem sequer coçar as pernas.
Há gente que não se importa
de viver feita aos bocados
com uma alma tão morta
que os mortos berram à porta
dos vivos que estão calados.
Ó caralho! Ó caralho!
Já é tempo de aprender
quanto custa a vida inteira
a comer e a beber
e a viver dessa maneira.
Já é tempo de dizer
que a fome tem outro nome.
Que viver já é ter fome.
Ó caralho! Ó caralho!

Ó caralho!

Joaquim Pessoa

domingo, fevereiro 27, 2005

Pensamento político-filosófico minimalista porque é domingo:

"Só sei que nada sei"
Sócrates

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Deus morreu!
O Homem morreu!
...eu próprio não me sinto lá muito bem.


dum autor que desconheço

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Ora voltemos às interioridades do ser:

SEI QUE POR VEZES SEI

Sei que existes
E isso talvez não seja
Poesia ou facto

Existir é tão vago e indefinido
Presente no espaço ou abstracção
Pedra ou pau ou vento
Sonho ou vertigem ou memória
E até ausência

Sei que te amo
E nem conheço a tua sombra
Sobre mim

Amar é tão cheio e concreto
Que não sobra razão ou dor
Que preencha os dias
Os homens, a história, Deus
Ou até o fim

Sei que por vezes sei tudo isto
E nem eu próprio o posso desmentir

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Polaroid musical instantânea em jeito de corridinho do Portugal de sempre já amanhã

Hábitos

A crise acabou, a chuva voltou,
haverá vingança?
Siga a dança.

Laranjas espremidas e as rosas floridas,
Prontos para a matança?
Siga a dança.

Saltos encarpados, boys desempregados,
Viragem? Virança?
Siga a dança.

Cadeiras vazias, novas bizarrias
É fera ou é mansa?
Siga a dança.


direitos de autor para "cesto galarza"

domingo, fevereiro 20, 2005

E segue-se um clássico anarquista, inscrito outrora nas paredes de Lisboa:

O VOTO É UMA ARMA!
NÃO VOTES SENÃO FICAS DESARMADO.

URNA
do Lat. urna

s. f.,
caixa de forma variável;
caixa em que se recolhem os votos nas eleições ou os números numa lotaria, rifa, etc. ;

Bot.,
espécie de cápsula coberta por um operáculo;
vaso que servia aos antigos para guardar as cinzas dos mortos, para recolher a água das fontes, etc. ;
caixão funerário;

ant.,
vaso para água

Baralhar e incluir novas conotações ao gosto do freguês. Avante!

sábado, fevereiro 19, 2005

Esclarecimento eleitoral

Estou em crer que amanhã ganharemos mais umas eleições. Somos o PÁ! Partido Abstencionista. Somos extremamente organizados e como tal ficamos assim combinados e não aparecemos. A nossa principal função é a de criar na restante carneirada um sentimento de culpa por elegerem governantes que nos sugam e maltratam a todos. Abominamos também a ideia de votar em branco ou inscrever caralhadas nos boletins de voto. São apenas duas formas de perpetuar a palhaçada política. Como idealistas e descrentes ascendemos à utopia suprema de um dia ninguém votar, porque como seres esclarecidos e auto-suficientes dispensamos quem nos governe. Mais: ninguém tem pinta ou superioridade ética e moral para isso. Por último e já dito uns posts atrás: não pactuamos com a estupidez das maiorias. O governo que aí venha tem a nossa incondicional oposição. Obviamente que nos oporemos também a toda a oposição propriamente dita. Sermos opostos é coisa natural em nós. Poderíamos ser solitários, porque sabemos dar sentido à solidão e saboreá-la, mas somos apenas detentores de bom senso. Por fim acreditamos que, venham as moscas que vierem, a merda se manterá. Sabemos que só com trabalho, inovação, criatividade, dedicação e aprumo no dia-a-dia, Portugal poderá evoluir. Tudo o resto apesar de existir, seja a máquina de Estado ou as medidas do mesmo, é irrelevante para que se tenha um país melhor.

A bem da Nação

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Afinal a tradição ainda é o que era!

"Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar"

(Gaius Julius Caesar / 100-44 aC)

Tal como já o disse: aos políticos compete-lhes governar, a nós compete-nos sermos ingovernáveis.




terça-feira, fevereiro 15, 2005

Desabafo marafado

Descobri ontem por portas e travessas, que me consideram, quem não sei, um ser desequilibrado, embriagado, irreverente e perdido nesta província do Algarve. Estou comovido. Estou agradecido. Estou embasbacado! Estou sem palavras, exceptuando esta carrada de prosa avinagrada que me ficou atravessada. Ó pacóvios provincianos tagarelando sentenças coxas. Ó avantesmas raquíticas armadas em esclarecidas xaputas cosmopolitas, parolando como carapaus de corrida: numa terra irrelevante não há que ter qualquer relevância. Aplica-se à terrinha, à região e ao país. E quem se quiser insuflar de grandeza que estoire de flatulência longe de mim. O que vos poderei dizer da minha singela pessoa, que vossemecês já não o pressintam? Sim pressentir, que compreender é coisa de gente entendida. Nada. Mas um nada repleto de metáforas que me estoiram na boca e ressoam como gongos nas vossas insípidas existências. Arre! Vidinhas ancoradas na marina do tédio, com o mar da pouca coisa à vista. Irra! Fastio encalhado no molhe da ignorância, com a falésia da boçalidade debruçada sobre a alma. Eia! Mesquinhice enlatada para consumo de inveja avulsa. Porra! Via sacra da ostentação com dívidas, a desembocar no bacoco do faz-de-conta. Abrenúncio! Abomino a vossa felicidade a pronto pagamento e a vossa liberdade a prestações. Vade retro! Esboços de seres mal amanhados a dar serventia às excrescências deste mundo. Pé-de-cabra! Saloiice engravatada ao serviço do atraso mental civilizado. Tudo isto mesmo. Mesmíssimo.
E agora já chega que tenho de ir jantar.

domingo, fevereiro 13, 2005

15963º dia

Chamo a mim toda a inspiração,
as árvores lá fora riem-se de mim

Evoco depois o Sol na manhã límpida
mas as aves já tinham estado antes na aurora

No entanto, tudo o que interessa
é ver flor
dizer flor
e sentir chama
na flor que se vê
na flor que se diz

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Pois enquanto o SULturas nº 3 série 2 está a fermentar, para sair avassaladoramente para as ruas, deixo-vos com uma página histórica:
-corria o ano de 1998 quando em Jugostembro editei o Nº 15 do SULturas, rezava o seguinte

INEDITORIAL

Não escrevemos por encomenda
Não gostamos de calendários
Não vivemos somente destas manobras
Não queremos aliciar ninguém
Não pretendemos instruir
Não procuramos protagonismo
Não lambemos tomates
Não gostamos de louras
Não bebemos Rosé
Não lixamos gente
Não gostamos de gentinha
Não nos juntamos a gentalha
Não nos armamos em carapaus de corrida
Não pactuamos com a estupidez das maiorias
Não podemos com os Excesso ou outras aberrações
Não aguentamos aberrações em excesso
Não suportamos os grelos aos saltos
Não gostamos do futebol de cifrões
Não fazemos questão de sermos apreciados
Não queremos nada de vós
Não acreditamos na arte dos dias de hoje
Não queremos saber se o mundo vai acabar (no ano 2000, claro!)
Não podemos exterminar os pimbas
Não ficamos gratos com conselhos de merda
Não vamos à missa
Não fomos à tropa
Não pagamos sempre que possível
Não batemos em velhinhas
Não cuspimos para o chão
Não gostamos de modas
Não temos uma adega
Não andamos felizes por esse facto
Não invejamos as putas das vidinhas alheias
Não estamos na Internet (e não estávamos então)
Não gostamos de dívidas
Não nos fiquem a dever
Não há pachorra para quem nos critica
Não estamos à venda mas alugamos serviços
Não somos contudo dogmáticos
Não pensamos pragmaticamente
Não agimos à toa
Não atropelamos animais
Não suportamos transportes públicos
Não aguentamos públicos
Não apalpamos nunca o cú a uma mulher polícia
Não vamos à praia ao domingo
Não vamos à discoteca ao sábado
Não vamos a um bar para não beber
Não fazemos show-off
Não abdicamos de sonhar
Não damos quecas no banco de trás do automóvel
Não seduzimos a mulher do próximo
NÃO NOS FODAM




terça-feira, fevereiro 08, 2005

Esboço de anjo

Adormecendo ao relento da realidade
Divagando por mundos insólitos
E universos de beleza
Com as suas íris repletas de amor
Rebusca ainda a felicidade a preceito

Como se fosse a sua vez de eclodir no céu

From here inside my heart
to Sabina's place

With you

it is the night
old and tender

it is the voice from your body
like silk over me

it is the next morning
where we fly over reality

it is our life and its meaning
if we always find the way

it is the same dream
where we can subvert destiny



sábado, fevereiro 05, 2005

Considerando que folgo às quintas e sextas, e como o nome indica folga é para folgar, o primeiro post da semana é ao sábado. Olha p'ró sacana que só posta quando está no emprego - dizem vossemecês roídos de inveja. Pois assim é. E porque neste folguedo estive em Lisboa para que me azucrinassem a moleirinha, aqui vai o que aqui se segue:

Lição de civismo

É feio matar gente
É feio bater em gente
É feio enganar gente
É feio exercer poder sobre gente
É feio não respeitar gente
É feio explorar gente
É feio não ser gente
É feio ser humano e foder a humanidade
É feio ser feio.

É feio pensar que se sabe demais
É feio não pensar
É feio odiar sem se ser inteligente
É feio ser inteligente e passar a vida a odiar
É feio não saber amar
É feio não se deixar amar
É feio perturbar o amor
É feio não saber o que é o amor.

É feio ser calhau e pensar que se é pedra rara
É feio ser obtuso e pensar que se é recto
É feio falar alto para dizer perdigotos
É feio ser perdigoto e falar alto com as massas
É feio ser massa e dar razão aos perdigotos
É feio estupidificar gente com grandes propósitos!

Enfim, é feio fazer parte deste mundo activo.
E agora de novo:

É feio não admirar o talento
É feio evocar o talento em vão
É feio não saber de que é feito o talento
É feio tirar dividendos de um talento mais que duvidoso
É feio fazer programas de televisão escabrosos
É feio ser foleiro!

É feio ser rico e não perceber nada de arte
É feio não perceber de coisa alguma e ser rico
É feio ser pobre e estúpido e ter inveja de tudo
É feio aceitar a condição de escravo mesmo que se ladre muito depois!

É feio ter muitas coisas inúteis
É feio só ter ideias fúteis
É feio ser mesquinho e pouca coisa
É feio não ser higiénico
É feio ter merda na cabeça
É mais feio se a merda for própria e não de um pombo.

É feio ser boçal e falar com a boca cheia
Mas é mais feio encher a boca sempre e nem sequer saber falar.

É feio ser histérico como o Castelo Branco
É feio ser tatuado como o Frota
É feio ser bronco que nem futebolista
É feio ser pavão em Bruxelas
É feio ser político para arrecadar lingotes
É feio não ter brilho próprio e sugar o brilho alheio.

É feio escrever livros ao quilo
É feio escrever livros ao litro
É feio escrever livros a murro
É feio escrever livros e ser burro
É feio escrever livros a pensar em euros
É feio não saber escrever e fazer profissão disso.

É feio ser Tété, Lili, Cácá ou Cócó
É feio aparecer em revistas rosa
É feio não saber de que é feita a prosa
É feio ter um chalet e andar de pópó!

E para findar
É feio não ter coragem para ser livre
É feio tentar acobardar os que o tentam
É feio não saber o que é a liberdade
É feio em nome dela criar subtilmente novas repressões.

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Quatro lugares-comuns sobre várias artes poéticas

Alexandre O'Neill
in "A Saca de Orelhas"


1
Estou sozinho diante da página em branco.
Cedo à inspiração?
Dedico-me ao suor?
Vou investir com a caneta o branco da página em branco.
Minha tentação era subscrever o branco,
assinar o silêncio.
Mas o branco seria silêncio,
uma vez assinado?

Cedo à inspiração?
Dedico-me ao suor?
Nada vem de bandeja.
Nada vem do suor.

2
Não há modelo exterior a que eu deva obediência, sequer trabalho.
O modelo exterior seria uma plateia
com centenas de lugares-comuns
ainda mal arejados dos traseiros
que neles depusessem os gomos o tempo da sessão.
O modelo exterior é uma convenção
que te obriga, se o eleges, a trabalhar como arrumador,
lanterninha na mão.
E então, sim! Deves tudo ao suor
(o nobre suor de um senhor escritor).
O modelo exterior é como o jogo do avião:
ao pé-coxinho vais biqueirando a palavra-patela,
de quadradinho em quadradinho,
até fazeres todo o avião.
O modelo exterior deixa-te definitivamente fora,
mas fora de ti próprio.
É como se andasses à rabiça
a arar os campos de papel.

3.
A folha de papel em branco
não é o ruedo de nenhuma faena.
A folha de papel em branco
(e tu debruçado sobre ela)
é um slogan turístico, um «Spain is different!»
da poesia-espectáculo.
(Nem a ti próprio te dês em espectáculo
sob pretexto de reflexão.)
Se tens o lampo da inspiração
a crescer, em formigueiro, não mão da faina,
não te deixes embevecer por imagens toureiras.
São bonitos.
São analogias que não colam
ao trabalho de escrever.
Se tens o lampo da inspiração,
despede-o para o papel como instantaneidade
de incertos resultados.
Depois se verá se deixou resíduos
ou se o lampo não deu mais que um trovão.

4
Nada vem de bandeja
Nada vem do suor.
Não te deixes cindir por um falso dilema.
Escrever é tramar o textual.
Bandeja e suor são problemas teus,
maneiras de ser, de agir, processos de trabalho.
Onde começa um poema?
Quando começa um poema?
No espaço quadrado da folha de papel?
No momento em que pegas da caneta?
Ou no espaço redondo em que te moves?
Ou quando, alheio a tudo, te pões de cócoras,
a coçar, perplexo, a cabeça?



terça-feira, fevereiro 01, 2005

Model Man

look at the signs
look at the symptoms
look at the slight
calm before the storm
I feel the silence
I feel the signals
I feel the strain
tension in my head
well, what more can be said...

not a model man
not a saviour or a saint
imperfect in a word
make no mistake
but I
give you everything I have
take me as I am...

King Crimson
in "three of a perfect pair"



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